Toda crise convulsiva é epiléptica, mas nem toda crise epiléptica é convulsiva”
Dr Marcelo Valadares

A epilepsia caracteriza-se pelo funcionamento anormal dos neurônios e afeta milhões de pessoas no Brasil. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a epilepsia é uma das doenças mais frequentes e com maior impacto na qualidade de vida das pessoas. Somente na América Latina, estima-se que mais de 8 milhões de pessoas tenham epilepsia.

Neurônios são células fundamentais do nosso cérebro. Eles geram e transmitem os impulsos elétricos que, ao final do processamento da informação, produzem nossos pensamentos, memória, fala e movimentos.

Quando esses impulsos são gerados de forma desordenada ou excessiva, ocorre a chamada crise epiléptica, sendo que a pessoa que tem crises epilépticas repetidas tem a doença epilepsia.

Diagnóstico da epilepsia

O diagnóstico é essencialmente clínico, por meio da observação de crises epilépticas que podem ou não ser convulsivas. Assim, os exames servem como apoio ao diagnóstico.

Um exemplo de exame é o eletroencefalograma que pode confirmar a presença de crises quando existe a suspeita de epilepsia – ele demonstra a presença de atividade elétrica anormal em determinada região do cérebro.

Os exames de imagem, em especial a ressonância magnética, podem identificar alterações muito discretas que ajudam a explicar a origem das crises.

Causas da doença

No Brasil, uma causa muito comum de epilepsia é a neurocisticercose, doença infecciosa que pode levar a pequenas calcificações cerebrais que induzem o surgimento de crises. Mas, muitas vezes, mesmo com extensa investigação, as causas permanecem desconhecidas.

Há outras possíveis origens da epilepsia:

  • Abuso de bebidas alcoólicas
  • Abuso de drogas
  • Lesão congênita (presente ao nascimento)
  • Lesão adquirida no cérebro decorrente de batida forte na cabeça (geralmente com sangramento intracraniano)
  • Lesão adquirida no cérebro decorrente de infecções (como meningite, encefalite e neurocisticercose)
  • Malformações do cérebro (tanto das estruturas cerebrais quanto dos vasos sanguíneos no seu interior) que podem estar presentes na formação do feto
  • Traumas na hora do parto

Crise epiléptica e convulsão

A resposta de se movimentar como sinal de uma crise depende da área onde a atividade elétrica se desenvolve ou, ainda, dos caminhos pelos quais ela é transmitida no cérebro da pessoa. Portanto, toda crise convulsiva é epiléptica, mas nem toda crise epiléptica é convulsiva.

Entenda a diferença:

  1. A convulsão é a resposta física: em geral, movimentos de esticar ou contrair partes do corpo (movimentos ou abalos tônicos) ou tremer/debater-se (movimentos clônicos).
  2. Todo mundo já ouviu falar da crise em que a pessoa desmaia, cai ao chão e se debate. Essa é chamada tônico-clônica generalizada.
  3. Algumas crises epilépticas podem não afetar áreas ligadas a músculos e, portanto, não são percebidas como convulsivas. A mais comum delas é a crise de ausência: como se a pessoa se desconectasse do meio por alguns segundos, podendo não ser notado por quem estiver ao seu redor.

Medicações e crises epilépticas

Em geral, a resposta à medicação é excelente. A maioria dos pacientes apresenta bom controle (nenhuma ou raríssimas crises) com apenas um tipo de medicação.

Apenas uma pequena porcentagem desses pacientes precisa de combinações de medicações ou outros tratamentos, normalmente aqueles que apresentam alterações estruturais em áreas específicas do cérebro como as escleroses hipocampais ou displasias corticais ou aqueles que têm epilepsias secundárias a outras doenças como tumores cerebrais, por exemplo. Nestes casos, a melhor solução pode ser tratamento da causa da epilepsia, quando factível.

A maior parte dos remédios para prevenção de crises atua em porções específicas dos neurônios que controlam a sua atividade de conduzir ou emitir impulsos elétricos. Muitos já existem há décadas, mantendo bom controle de crises e muitas vezes mesmo com doses muito baixas.

Opções em terapias

Para casos de difícil controle medicamentoso onde uma neurocirurgia de ressecção não é factível ou já foi realizada sem controle adequado de crises, podem ser indicadas a terapia VNS (Vagus Nervus Stimulation – estimulador do nervo vago) e a terapia DBS (Deep Brain Stimulation – cirurgia de estimulação cerebral profunda), que são realizadas por neurocirurgiões.

O VNS é um neuroestimulador que se conecta ao nervo vago mandando impulsos elétricos ao cérebro de forma retrógada e modulando a atividade neuronal. Esta terapia é mais simples e costuma ser uma opção anterior à indicação do DBS.

Já o DBS é uma modalidade de tratamento que consiste em estimular eletricamente uma determinada região cerebral, por meio de um “marcapasso”, que é cirurgicamente implantado. A DBS também pode ser indicada a pacientes com Doença de Parkinson que atendam a alguns critérios.

Cirurgias específicas

Existem muitas opções de cirurgia para pacientes com epilepsia. Mas as duas características que unem todas elas são: indicação precisa de que existe uma região que pode ser causadora das crises (ou que seja fundamental para o espalhamento delas no cérebro) e dificuldade em se controlar a doença com medicamentos.

Algumas situações:

  • Displasias corticais: se o paciente é portador desse tipo de displasia e tem epilepsia de difícil controle, o cirurgião pode optar por removê-las com microcirurgia.
  • Esclerose hipocampal: a remoção de um dos dois hipocampos (lembrem-se que quase tudo no cérebro é duplicado!), em geral após extensa avaliação clínica de que isso não levará a prejuízo de função, em especial da memória, pode ajudar a diminuir o número de crises.
  • Tumor causador de crise epiléptica: é realizada a cirurgia para remoção do tumor.
  • Crises generalizadas sem uma área clara que possa ser identificada: um cirurgião experiente pode optar por desconectar cirurgicamente porções específicas do cérebro, bloqueando o espalhamento da atividade elétrica anormal e restringindo a uma porção onde ela não produza crises perceptíveis.

Pacientes de qualquer idade podem necessitar de terapias ou cirurgias específicas, caso não respondam às medicações e dependendo da gravidade dos sintomas, ou seja, de quanto a epilepsia impede a vida da pessoa de ser normal ou próxima do normal.

Referências: